O Amor Observa a Regra Áurea

O AMOR OBSERVA A REGRA ÁUREA

– Não te precipites com o menino, disse Maria a seu marido,
ouvindo-o exortar asperamente o filho a que se não demorasse pela rua
quando tornasse da escola.
– Desejo apenas ser obedecido, retorquiu o marido e, voltando-se
para o menino, disse: Agora vá para a escola e, quando voltarem, vem
diretamente para casa; do contrário eu te ensinarei.
Carlos despediu-se enxugando as lágrimas que ocultamente lhe
deslizavam pelas faces. Era um belo e guapo rapaz de nove anos de
idade, cheio de vida, e, portanto, naturalmente disposto a toda sorte de
desenvoltura. O pai, porém, parecia antes inclinado a olvidar que os
meninos são meninos e que seria fora do natural, em um tal rapaz, não
ser desembaraçado e esperto. Teve, porém, de aprender à sua custa. Durante a tarde os seus
negócios o embaraçaram um pouco, pelo que volveu à casa um tanto
indisposto. Ele não era mau; enfadava-se, porém, facilmente quando as
coisas não corriam conforme os seus desejos. Muito exato e pontual em
tudo, não lhe suportava que outros não o fossem também.
Sentado ao fogão da sala, sua fisionomia revelava mau humor, que
ainda mais se acentuou quando sua mulher lhe anunciou que Carlos
voltara da escola todo molhado e coberto de lama.
– Onde está ele?, perguntou severamente o pai.
– Na cozinha, volveu a mãe; ele teme entrar, porquanto a
empregada o avisou de que estavas em casa.
– Não admira que receie entrar, pois ainda ontem o exortei a não ir
tão perto do rio. Manda-o entrar.
Carlos entrou, tiritando de frio. Um olhar do pai bastou para o
convencer do que o aguardava.
– Não disse para você não ir tão perto do rio? Amanhã mostrarei a
você o que penso deste procedimento, mas de um modo que você não
esquecerá tão facilmente.
– Mas papai, disse o menino, permita-me que explique ao senhor
como foi?...
– Não quero ouvir, vá para a cama!
– Desejo somente dizer ao senhor, papai, que...
– Já disse: cale-se! e com um gesto significativo acrescentou: Você
vá para a cama ou se arrependerá.
O menino obedeceu vagarosamente, recolhendo-se ao quarto sem
haver jantado. Quando Carlos deixou a sala, disse a mãe, comovida:
– Eu acho que você devia ter escutado o que Carlos tinha a dizer.
Você sabe que no mais ele sempre tem sido bom filho, e que, se comete
alguma travessura, é mais por inadvertência do que acintosamente.
– Bem, mas ele devia obedecer-me, visto como lhe proibi
terminantemente de ir tão perto do rio. Entretanto, parecia que uma nuvem sombria pairava sobre aquela
habitação, em geral risonha e alegre. Quando os dois esposos se
recolheram, o pai sentiu-se impelido a espreitar para dentro do quarto em
que Carlos dormia.
Aproximando-se cautelosamente do leito e interceptando com a
mão a luz da vela, fixou longamente o rosto do menino que ressonava
tranqüilo. Intimamente se arrependia de sua atitude, embora procurasse
reprimir esse sentimento dizendo de si para si que a consciência do dever
o aconselhava a ser firme. Falando depois com a esposa, prometeu ouvir
primeiro o que Carlos tinha a lhe dizer, antes de recorrer à medida
extrema.
Essa ocasião, porém, não veio. No dia seguinte, ao acordar, notaram
com surpresa que o menino tinha sida acometido de uma inflamação
cerebral, de que não mais conseguiu restabelecer-se. A despeito de todos
os desvelos e do desejo ardente com que estavam os pais de que Carlos
os tornasse a reconhecer, o infeliz menino faleceu algum dias depois.
Quando a notícia da morte de Carlos alcançou a escola, um dos
colegas íntimos do menino veio ter com sua família.
– Eu estava com ele quando entrou na água.
– Deveras?, inquiriu o pai. E você pode me dizer como foi?
– Sim. Dois meninos estavam pescando, quando, não sei como, um
deles escorregou e caiu. Carlos, sem hesitar, atirou o boné, lançando-se
após o rapaz, conseguindo, com dificuldade, arrastá-lo para fora do rio.
Ele e eu o pusemos na margem. Carlos me pediu que nada dissesse,
porque lhe haviam proibido de ir perto do rio, Pelo caminho sempre
repetia: "Que dirá meu pai quando me vir assim? Porém, eu não podia
proceder de outra maneira, devia salvar Tomé."
– Meu pobre e desventurado filho!, exclamou o pai. Era isto que me
desejava contar, recusando-me a ouvi-lo. Deus me perdoe!
Lágrimas lhe rolaram pelas faces e ainda muitos anos depois o
aspecto dos brinquedos e dos livros de Carlos lhe pungia o coração, o que podia ter evitado, se tivesse ouvido o filho antes de o condenar

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